O ódio e a tristeza eram parte constante do cotidiano de Daniela dos Santos Silva Pinto, de 32 anos. Ela sentia vergonha e nojo do próprio corpo. No trabalho, evitava o convívio com as pessoas, pois não confiava em ninguém. Os momentos sozinha eram marcados por lágrimas e dor.
O motivo de tanto rancor foram os abusos cometidos pelo próprio pai. Aos 11 anos, a menina foi estuprada pelo homem que a gerou, enquanto a mãe havia saído para trabalhar.
“Fiquei com tanta mágoa que cheguei a tentar matar meu pai aos 13 anos. Eu não tinha paz, não dormia direito, o ódio permanecia dentro de mim. Foi uma luta muito grande para me livrar do sofrimento. Quando contei para a minha mãe, ela não acreditou em mim, e eu guardei aquele trauma terrível, nutrindo uma mágoa profunda do meu pai”, relembra.
Por causa dos problemas familiares Daniela começou a se prostituir e se entregou ao vício do álcool.
As coisas só começaram a mudar quando, aos 25 anos, ela conheceu seu marido Cláudio. “Ele me levou para a Universal e lá participei de palestras que falavam da importância de perdoar. Mas somente após 4 anos ouvindo aquilo entendi que não perdoar era a razão de nada dar certo em minha vida”, conta.
Quando finalmente tomou a difícil decisão de perdoar o pai, Daniela encontrou a paz que precisava. “Eu me senti outra pessoa, aliviada, mais calma. A mágoa, a tristeza e o vazio acabaram e a alegria tomou conta de mim. Os pensamentos ruins ficaram no passado”, finaliza.
Atitude saudável
Para o psicólogo brasileiro Pedro Leite Machado o perdão tem papel fundamental no combate à depressão e na redução da ansiedade, além de estar relacionado à elevação da autoestima. “As pessoas se sentem mais leves, livres de culpa, sem estresse e sem desequilíbrio emocional. Quando ficamos presos ao passado, e não nos permitimos resolver esses conflitos interiores, eles continuarão sendo como ferimentos expostos e nos tornarão possíveis candidatos a desenvolver doenças de fundo emocional”, afirma o especialista.
A opinião é compartilhada pelo bispo Adilson Silva, atual responsável pela Universal em Minas Gerais. “O perdão nos dá o direito de sermos perdoados. Eu costumo dizer que a pessoa que guarda rancor é como quem bebe um veneno e quer que outra pessoa morra”, garante.
Adilson Silva lembra que, para desculpar, é preciso primeiro controlar o lado emocional. “A pessoa deve lutar contra as próprias emoções e dizer para si mesma: ainda que o meu coração seja contrário, eu resolvo perdoar”, ensina.
Casamento renovado
Silvana e Renato de Oliveira namoravam havia apenas 3 meses quando descobriram que seriam pais de primeira viagem. Naquela época, com 17 e 16 anos, respectivamente, eles foram viver juntos. Mas a alegria pelo nascimento do primeiro filho durou pouco. Despreparados para assumir o compromisso, Silvana e Renato passaram a viver um relacionamento marcado por brigas e traições. “Ele levava uma vida de solteiro, saía com os amigos. Eu era desrespeitada, mas corria atrás dele. Era um amor que parecia doença”, relata, acrescentando que sempre aceitava as desculpas do companheiro.
Renato abandonou Silvana quando a segunda filha nasceu e o primogênito tinha apenas 3 anos. “Cheguei a ter depressão, não sentia vontade de viver, até que encontrei apoio em amigos. Comecei a trabalhar e fui recuperando a autoestima”.
Após 6 anos de idas e vindas, Renato pediu para voltar. Silvana havia perdoado o pai de seus filhos, mas ele precisava ganhar sua confiança novamente. “Aprendi na Universal que ressentimento só atrapalhava a mim. E decidi buscar alguém que não me fizesse sofrer. Quando ele pediu, esperei para ver suas atitudes. Recomeçamos do zero. Estávamos preparados para um novo relacionamento, mudamos nossa forma de agir, hoje nós nos valorizamos”, revela Silvana.
Autoestima elevada
O estudante Gustavo Andrade, de 19 anos, era um menino tímido e calado, que sofria bullying dos colegas e não conseguia fazer amigos. Naquela época Gustavo sofreu abusos de um primo mais velho. “Foi depois disso que eu fiquei mais fechado. Também tinha mágoa do meu pai porque ele me colocava muito para baixo, dizia que eu era burro, incapaz e isso me fazia mal”, conta.
Na adolescência, Gustavo ficou ainda mais isolado. “Não participava de atividades em grupo, como educação física, pensava que tudo que fazia dava errado. Faltava à escola e tirava péssimas notas. Não queria sair de casa, virava as noites na internet”, relembra.
Os ressentimentos impediam que Gustavo avançasse, mas ele só descobriu isso no fim da adolescência. Durante uma palestra na Universal sobre perdão, ele se convenceu da necessidade de sair do ciclo de angústia. “O perdão foi um remédio, depois daquele dia as coisas na minha vida começaram a andar”, conclui.
Perdão e Justiça
A vida do vereador de São Paulo, Masataka Ota, e da esposa dele, Keiko Ota, se transformou depois do assassinato do filho. Em 1997, o menino Ives Ota, então com 8 anos, foi sequestrado por três homens em sua própria casa, na zona leste da cidade, e morto dias depois, por ter reconhecido um dos criminosos.
Masataka ficou frente a frente com o assassino do filho em 2002. Na época, ele enfrentava dificuldades, não dormia bem e tinha sentimentos de vingança. “O ódio estava destruindo meu casamento e minha família”, recorda. Momentos antes de entrar na cela, ele conta que pensou em como o filho se sentiria feliz se o pai estivesse em paz. “Pedi força e sabedoria a Deus. Olhei fixamente nos olhos do assassino e disse para ele que era difícil perdoar o inimigo, mas eu estava lá para salvá-lo. Peguei na mão dele e, quando saí do presídio, toda aquela coisa negativa que havia dentro de mim ficou para trás, saí totalmente aliviado.”
Como vereador, Masataka instituiu o dia 30 de agosto com o Dia do Perdão. “É uma data para refletir. Quem carrega rancor só afasta as pessoas e alimenta a infelicidade”, acredita. O vereador destaca, entretanto, que perdoar não significa abrir mão de justiça. “A lei do homem também consola”, conclui, com a certeza de que o perdão pode trazer mais paz para a humanidade.
10 coisas que você precisa saber sobre o perdão
• O perdão exige empatia - quando a pessoa se coloca no lugar de quem a feriu ela é capaz de tentar entender a raiz por trás do que aconteceu
• O perdão é essencial para a recuperação - quem perdoa sente a leveza de não precisar mais se torturar pelo que o outro lhe fez
• Perdoar é um ato de misericórdia para com o ofensor - isso ocorre porque a pessoa consegue ver que quem lhe causou o mal só transmitiu o que sofreu um dia
• O perdão é uma escolha - e isso não depende da gravidade do que foi feito ou se o ofensor recebeu punição. Mesmo que seja doloroso assumir, a única pessoa que decide ou não se irá perdoar é você
• O perdão é um caminho para a liberdade - a mágoa não permite que a pessoa veja o que tem de bom ao redor. Tudo é visto com os olhos da dor, da perda e da raiva
• O perdão não encobre os erros - ou alivia a gravidade dos acontecimentos
• Perdoar não é igual a esquecer - ele não muda o que aconteceu, nem recupera o que foi perdido, porém ajuda aprender uma lição
• Perdão não remove as consequências - perdoar não quer dizer que a outra pessoa não será punida pelo que fez
• Perdoar não é o mesmo que confiar - você pode perdoar sem necessariamente reestabelecer uma relação próxima com o outro
• Perdoar não é um truque de mágica capaz de transformar o indivíduo que recebeu o perdão - talvez a sua atitude não seja suficiente para mudar o outro, mas irá mudar você
Fonte: Programa “Campanha para a Pesquisa do Perdão” - www.forgiving.org